A Velha senhora
Sentada na sua poltrona verde, a que mais gosta, na sala de TV, a velha senhora desinteressou-se do programa que estava passando. Aliás, raramente se interessava. Televisão só tem bobagem, dizia. Suas colegas também mal olhavam o aparelho. Começou a pensar o que estava fazendo ali, no meio de pessoas tão velhas quanto ela, mas que pareciam estar em piores condições de saúde. É verdade que não conseguia mais levantar-se e andar sem auxílio, diabetes se complicava dia a dia, os rins não funcionavam bem, os pés estavam sempre inchados, mas a cabeça estava boa, muito boa.
A velha senhora tinha muito orgulho de sua cabeça, de sua mente, de sua memória. Era capaz de nomear todos os netos, lembrar-se do aniversário dos filhos e outras proezas. Tinha uma lucidez de rocha, ao contrário de suas companheiras de casa. Aquela ali vive dormindo, a vida inteira sentada, com uma sonda no nariz, apática, olhos perdidos. Não fala, nem conversa. Nunca. A da esquerda vive com uma boneca nos braços, balançando-a como se fosse neném, cantando baixinho cantigas de ninar. Diz que a boneca é sua filhinha querida, que acabou de nascer. Não é linda? - pergunta toda orgulhosa a toda hora. Coitada! Maluquinha, maluquinha... A da poltrona vermelha fica toda regateira quando passa um homem perto dela, enfermeiro ou visita; fica sorrindo, se oferecendo, vem cá benzinho! Vive dizendo que vai casar-se com um moço bonito que virá buscá-la! A outra, a vizinha da cadeira do papeia-la pelos cotovelos. Uma tortura! Fala e fala e repete e repete e sempre faz as mesmas perguntas bobas. Como é seu nome mesmo? Ah! É mesmo! Tinha esquecido! É insuportável essa mulher! Já foi sua colega de quarto, mas reclamou tanto que acabaram levando-a para outro. Não é muito velha, coitada, mas está caduca de tudo. Haja paciência! A velhice é triste mesmo, mas eu, graças à minha cabeça boa, sei me controlar, pensou a velha senhora, com um certo orgulho. Sou a mais velha do grupo e, tirando as minhas pernas bambas e inchadas, acho que sou amais inteira da casa, na minha faixa de idade. Graças a Deus! Deus é muito bom para mim!
A velha senhora lembra o dia em que veio para a Clínica de Repouso. Não queria, mas não teve jeito. Precisava de ajuda permanente, por causa da dificuldade de locomoção, mas a filha trabalhava fora e não tinha condições de cuidar dela. Depois de muita resistência, cedeu. Mas, quando o filho a deixou na Clínica, sentiu o coração bater acelerado e as mãos tremerem. Pegou nas mãos dele e disse estou com medo filho, estou com muito medo, não deixe sua mãe aqui. Mas ele abanou a cabeça meio triste e disse não tem jeito mãe, não se preocupe, a senhora está em boas mãos e nós sempre viremos visitá-la, e saiu logo, com jeito de quem não queria deixá-la ali. Nos primeiros dias sofreu muito, é ruim viver entre estranhos, quem sempre viveu nomeio dos filhos. Depois foi se acostumando e até fez algumas amizades. Havia na clínica algumas senhoras um pouco mais novas, em boas condições mentais. Era com elas que se distraía, às vezes, geralmente trocando reminiscências de suas vidas.
A velha senhora dá-se bem com as cuidadoras e enfermeiras. Todas a chamam de Vó. Tem um fisioterapeuta, mocinho muito simpático. Gosta muito dele, menos quando fica insistindo para participar de algumas atividades que detesta. Andar sim, gosta de andar com o auxílio dele. Mas odeia ficar jogando e recebendo bolinhas, exercício físico que o rapaz as obriga a fazer. Uma velha como eu jogando bolinha como se fosse criança! Diz que é para fortalecer os braços e as mãos e melhorar o cérebro, a atenção e a coordenação motora. Para que uma velha como eu que não consegue nem andar com as próprias pernas, precisa disso? Bobagem! Mas ele insiste tanto que acaba jogando, contrariada. A velha senhora pensa, com alegria, que no próximo mês fará aniversário. E, como todos os anos, espera que farão uma festinha para ela. Virão os filhos, genros, noras e netos. E ela será a rainha da festa, o centro das atenções. Recosta-se mais confortavelmente à poltrona e, aos poucos, vai se desligando do barulho da TV e do ambiente. Ainda pensando na próxima festa de aniversário, nos noventa e cinco anos que fará, um sorriso de satisfação desenha-se em sua face, enquanto, sonolenta, vai fechando os olhos, e dorme. (limajb48@gmail.com)